23 abril 2010

Panul

Preparava uma macarronada ao alho e óleo,
sozinha,
para brindar à taça nova.

Na agitação por não saber se sairia
ou se ficava em casa,
enquanto a cebola e o alho queimavam no fogo,
percebi que tudo o que queria era ficar quieta, calada
na presença de alguém.........................agora distante
no espaço e no tempo.

Na taça nova,
o vinho era o mesmo de outrora,
aquele que, numa Curitiba fria,
embalou cheirinhos na barba e
carinhos ao pé do ouvido.

Era o mesmo gosto de abraço
de braços entrelaçados;
a mesma textura de sorrisos,
risadas, gargalhadas;
o mesmo calor de alguns passos de tango,
e de trepadas engraçadas.

Era um vinho que hoje enxugou algumas lágrimas
de um coração encharcado de amores simultâneos.

18 abril 2010

Caro Y,

.....Preciso te contar o que acabo de saber, algo impossível de guardar pra mim. A Dita esteve aqui e me disse que sua beleza lhe faz falta, pois fugiu levando um pedaço da dela. Da fuga, ficaram as fotos – que ela me mostrou emocionada –, belezas congeladas num passado recente, cores ainda bem vivas. Preciso te contar que aquele ego inflado daquela exibida que queria aparecer, que queria se mostrar, nua, toda sua, arrumada, descabelada, como fosse, todo aquele ego era pra você. Mas é uma exibida mesmo! Mas a Dita queria era te mostrar pra ela, queria mostrar pra si mesma e pra você o quanto ficava bonita ao seu lado. Queria, me disse, guardar esses momentos bonitos, em que ela sorria grande por dentro, e guardar os momentos mais bonitos ainda, aqueles em que você sorria grande pra ela, fazendo-a furar as bochechas da alma com um sorriso tamanho que mal lhe cabia na face delicada. Hoje ela vê que o medo que tinha de te perder fez, muitas vezes, com que esses momentos fotogênicos lhe escorressem pelos dedos, feito grãos de areia. No fim, acho que o medo que ela tinha de, de repente, ficar feia e só, esse medo maldito foi que espantou toda a beleza. E quando ela já quase perdia o medo, quando ela já quase acreditava que você não a deixaria de repente, a beleza, envelhecida, estava cansada de enfeitar as fotos com risadas gostosas e cores chamativas, e tudo foi ficando feio e triste. Você já não se importava e deletava do seu HD externo fotografias em que ela se exibia, toda nua, toda sua. Você já não a notava; a beleza arrumava as malas às escondidas. Ela tentava se enfeitar com os trapos que lhe restaram, mas ficava cada vez mais feia, sua imagem sumindo como a de um fantasma. As fotos já não mais existiam, sua câmera se negava a fotografá-la. Ela, confidenciou-me, arreganhava-se, gritava, implorava, queria entender o que acontecia, para poder consertar a máquina e te devolvê-la refeita, mas você não a permitiu, deixando-a tão irritada e desnorteada que ela acabou por arremessá-la contra a parede, assustando de vez o pouco de beleza que ainda resistia.
.....Hoje a Dita já recuperou um tantão dessa beleza fugitiva, foi juntando com a de outros, de outras. Está bonita novamente, organizando os arquivos aos poucos e apagando da memória as fotos inconvenientes, essas que a deixam feia. Mas o pedaço da beleza dela que se foi com a sua, se foi, e ela sabe que nada vai preenchê-lo, pois cada beleza é feita de partes únicas. Disso, ela tem saudades, disse-me com lágrimas nos olhos.

Um abraço,
da sua amiga N.

09 abril 2010

Caminhei quase dois quilômetros
por uma rua cheia de passantes apressados

mas lá só estava eu

e a música dos carros
que alfinetava meus olhos.

*maio 2008 (?)