24 abril 2009

......Estavam no bar, enquanto chovia muito. Há dois dias que caía o pé d’água, mas isso não importa. O que importa é que estavam no bar. Ela, ele e quem vos fala – uma mulher.
......O boteco tinha mesas de plástico azul e cerveja com um precinho camarada, dois pila a Antártica. Cada um já devia ter gasto uns dez reais e uma pequena partezinha do fígado. Coisa pouca pra eles.
......Enquanto escreve e enquanto estava no bar com ela e com ele, a mulher pensa no companheiro, que deve estar comendo a gringa hora dessas. Que me importa. A chuva aumenta, o tom de voz dos três também. A mulher sente fome, pede um x-burguer pro garçom, dá um gole na cerveja, no copo em que mal cabe o seu nariz. Isso sempre foi um problema, mas não vem ao caso. Dá pra trocar o copo, por favor?
......Lembra da crônica da Clarice que pede atenção ao sábado. No fim, não era bem rosa que ela queria dizer.
......No fim, o que a mulher queria dizer é que aceitou ir ter com eles depois. Um ménage, oficorrrce.
......Mas não era bem assim que eu queria dizer.

22 abril 2009

meu coração bate rápido
rápidorápido rápidorápido
como sempre.

13 abril 2009

Última crônica?

......Sento para escrever e as idéias não vêm. O que dizer sobre a última crônica que não pretende ser a derradeira?
......Faço uma pausa para o café; uma xícara de café preto é sempre uma fonte de inspiração. Mas, dessa vez, o que era para ser não foi. Faltou algo. Faltou a padaria ou o botequim da esquina; faltou a rua, faltaram as pessoas.
......Volto para a cama, agarro novamente o lápis e o caderno. Serei eu nostálgica? Talvez sim, talvez não. O fato é que o computador está pifado.
......Lá fora o vento venta ventando e os carros passam apressados. Na rinha ao lado, o galo de briga cacareja sua dor de galo rouco e foge, trôpego, do cair da noite. Aqui eu procuro sôfrega pela madrugada que não chegará antes do fim da crônica. Sofro com a luz do dia, com a sonolência das idéias e com a insistência do sono. Choro a madrugada que passou e se foi sem ser. A madrugada que foi só raiva e nervoso e discussão com o computador que se negara a parir a última crônica, mesmo depois de lhe explicar que não o será de verdade.
......Mais uma pausa para o café. Dessa vez funciona. Enquanto observo o líquido preto na pequena xícara, decido o final da minha falsa última crônica. Assim eu a quereria: que fosse inacabada para ser novamente.

* escrita em agosto de 2006, para a disciplina Oficina de crônicas.

07 abril 2009

A primeira vez que ouvi Teresa

......Há dias que penso em escrever. Há dias que estou só, só com meus botões barulhentos. Ao invés de um silêncio calmo, como quando se está deitada na rede, um monólogo interior monocromático grita comigo, numa velocidade que de tão lenta torna-se rápida, ou o contrário.
......As idéias que surgem de repente, de repente se vão. Dorme-se quinze horas seguidas, e os sonhos, que passam como carros na avenida, carregam-nas para longe. Não as deixam ficar nem para uma xícara de café feito no bule italiano.
......Dia desses, enquanto estava deitada na maca de um salão de beleza, com as pernas abertas para que me depilassem a virilha, o vermelho-sangue das paredes da sala de quatro metros quadrados me cuspiu para fora dali. Assustada com a inconveniência da cor, deixei-me acolher na chatice das conversas de salão. Por sorte, não me lembro o assunto. Lembro-me apenas que a voz da quarentona dona do lugar era bonita quando separada do corpo. Era lisa, macia e delicada. Nem o fato de a gaúcha tentar bancar um acento paulistano ofuscava a beleza melódica da voz.
......Isso me lembrou Bandeira. De pernas abertas, fiquei pensando no texto que escreveria naquele dia. Era como se o corpo tivesse ficado vinte anos esperando pela voz. E mentalmente escrevi partes do texto e anotei, sabe-se lá onde, comentários para o que seria uma crônica. Duas semanas depois, as várias quinze horas dormidas não deixaram nenhuma linha. Apenas a voz ressoa ainda.
......É como se meu cérebro tivesse nascido só com memória RAM.