20 novembro 2009

Comia um prato de salada, toda contida, espremida em si. Era pequenina, ombros ovalados, cabelos tingidos de dourado, alisados, olhos saltados, embalados por pálpebras sem cílios, pele bem cuidada, mantida esticada graças aos creminhos. Mastigava vagarosamente, inclinando de leve a cabeça para o lado, as mãos bem rentes ao prato, cotovelos quase lhe furando as costelas. Era como se não respirasse. Parecia querer conter a contenção, não para se livrar dela, mas para ser mais contida ainda. Fiquei imaginando como seria na cama. Se é que, devia segurar num pau com as pontas dos dedos e o mindinho levantado.

19 novembro 2009

11 novembro 2009

Vinte e um de outubro

.....Às vezes lembro que tenho uma rede e paro para pensar na vida. Não. Vida é muito grande; nem sei o que é a vida. Paro para pensar no que tenho vivido, nas pessoas que estão, no que tenho pensado e no que não.
.....Aquele dia em que eu parei no meio da calçada, como quem brinca de estátua sozinha, não sai da cabeça. Era um dia feio, como todos os outros dias feios, porque há meses, quem sabe ano, que aqui só tem dia feio. O sol, bebê-fujão, aparece tímido dia ou outro e logo se vai. Aquele dia prometia. Seria o terceiro de sol seguido. Seria de praia. Foi branco. No começo da tarde, eu voltava para casa caminhando, por uma rua que corria. De repente, dois palmos de céu estavam azuis. Estátua. Era como se assim eu congelasse aquilo tudo, aquilo que é tão grande, tão intenso, que encheria um livro grosso; que é tão curto, que dura a vida inteira. Aquilo é isso. Nada mais do que isto. Por alguns segundos ser abduzida, por se encantar com o sol, que tenta se mostrar numa época infindável de branco infindável. Eu não sei o que é felicidade, mas isto é felicidade. Embasbacada, parar para contemplar algo banal que te imobiliza lindamente e te suga para longe daqui.

.....Hoje o dia terminou tarde, horário de verão começou cedo. A primavera ainda não chegou por inteiro. Veio só metade dela, vieram o cheiro das flores e o cheiro das baratas. O céu sempre branco, sempre chuva, e as noites frias lhe roubam a outra metade.
.....Hoje o dia amanheceu tarde, como se fosse ontem, anteontem, tresontonte, branco. Fui dormir triste. Pelo almoço, acordei com o sol me fazendo cócegas. Pelo velho clichê, abre-se a janela e sorri, de olhos semi-cerrados. O suor do dia escorria e me fazia sorrir. Queria me teletransportar para a praia. Queria mais ainda te levar comigo. Te disse isso, que quase te convidei. O teletransporte se encarregaria dos muitos quilômetros. E logo lá estaríamos no calor da praia. Esta imagem, dos nossos corpos molhados, em pé, a secar, ficou tão forte que quase apagou a vontade que sustentamos de nos evitar, quase apagou a ausência que agora somos um para o outro. Por alguns momentos do dia, as imagens que se sucediam, sempre a mesma, nossos corpos molhados, em pé, a secar, nos fizeram tão próximos de novo que eu nem precisei ir à praia.

04 novembro 2009

Da tristeza

de repente, a tristeza de poucas palavras
das costas curvadas
do choro contido
dos olhos caídos
do andar arrastado
do pensar mil coisas e não pensar em nada.

de repente, a tristeza da ausência de há muito.
a tristeza de se saber deixada
tristeza de não se sentir amada.