24 julho 2010

diz a moça:
obrigada pelo chocolate quente
gostoso
com ou sem vírgula.

11 julho 2010

Saltitando em três pulinhos

para A.

.....E então precisava de palavras escritas. As letras deveriam calar a balbúrdia dos números pontiagudos que lhe espetavam as veias frágeis, cheinhas de lágrimas. Escondida como uma criança que faz arte em meio à multidão, pegou de um papel e lhe contou um segredo em duas palavras. Dobrou em quatro e guardou no bolso do shortinho, cuidando para que ninguém o visse. Não acreditava muito em deus & cia, nem sabia se competia a São Longuinho, o Samunguinho de sua infância, mas como uma menina ainda pura, acreditou que ele daria um jeito. Se era o santo das coisas perdidas "samunguinho samunguinho se eu achar quem eu quero eu dou três pulinhos", ele encontraria o bilhete. E pronto. Continuou com seus afazeres de gente grande, somando, anotando, calculando, remoendo a certeza, que doía que nem joelho machucado, de que voltaria para casa solitária, arrastando chinelos imaginários, cortando o silêncio da madrugada com um ruído que ninguém ouviria.
.....Meia hora depois, media os passos nos ladrilhos vermelhos do terminal de ônibus, indo e voltando, de um lado a outro, indo e voltando, longe dali, ali mesmo. Olhava fixamente para o chão mas não estava cabisbaixa, estava autista. Era um autismo momentâneo, que só chega quando seu corpo respira tranquilo, até quase ressonar - por alguns minutos, sustenta-se a leveza do ser.
.....Voltou a si com o clack do disparador. Seu sorriso focava o all-star verde que estalava os dedos no alto do quadro. Eram os pés dele que voltavam do banheiro.
.....Meia hora antes, no banheiro do lugar onde fazia contas, ela rasgara o papelzinho, que agora não mais lhe servia. No fim do expediente, quando pegava a bolsa e a tristeza, que doía que nem joelho machucado, e calçava os chinelos por cima das sapatilhas de boneca, ele chegou.
.....- Eu sou seu colo.
.....E então, como criança, dormiu embalada pelo vai e vem do peito que São Longuinho lhe trouxera.

.....No dia seguinte, depois do almoço, ainda no restaurante lotado, rabiscou algumas cinco páginas do seu bloco de notas. E então, quando terminou, ao som de olhares curiosos, saiu saltitando em três pulinhos.


06 julho 2010

Imagens inodoras

Tenho teu corpo todinho
no meu computador

cada linha
cada cor
cada pelo.

mas de que me adianta
tê-lo com luz grafado

se não posso tocá-lo
se não posso cheirá-lo
como fazia outrora?

04 julho 2010

O poema e a poema

Às vezes o poema-menino vem
todo arrumadinho
como se fosse dia de pede cachimbo
– ou seria pé de cachimbo? –

Algumas das vezes
ele entra
e já se assenta

Outras
fica de cabeça baixa
e mãos para trás
esperando que eu o convide
para o jantar

Hoje
ele chegou faceiro
fez que ia se assentar
mas quando olhei de novo
já não estava.


(a menina-poema
muito sabida
só vem quando tem vinho.)