25 junho 2009

Uma crônica para Yazhulg

.....Uma xícara de café. Um prato à mesa. Escova de dente seca. Toalha de banho cheirando à poeira. Cama de solteiro espaçosa. Campainha enferrujada. Caixa de e-mails parada. Menos bônus para ligações recebidas pelo celular. Leitura na fila ritualística do restaurante universitário. Tabuleiro de damas aposentado. Uma das luminárias inutilizadas. Travesseiro para abraçar com as pernas. Chave do quarto esquecida. Gaveta cheia de camisinhas intocadas.
.....Eu ontem cozinhei para nós. Para mim e para a cachorra. Arroz, brócolis, cenoura cozida, filé de cação ao molho inventado e batata palha pronta.
.....Você está longe faz três dias. Faz falta. São só três longos dias. Dias preenchidos por atividades rotineiras incompletas.
.....A cadela, sem suas provocações estupefatas, está comportada e obediente. Pede licença para entrar no quarto. Só entra se for convidada. Ouve o não, dito ao tentar meter o focinho no frio da geladeira. Entende o sinal (ou o empurrão) de quando não é bem-vinda no colo. Abaixa a cabeça e se põe de barriga para cima quando vai receber carinho. As mordidas? São poucas. Morde só o ar quando quer comida ou atenção. Faz mais vezes cocô no jornal do que fora dele, ao lado.
.....Os afazeres chatos rendem: quase tudo em dia no projeto. As leituras engatinham. Agenda cheia de anotações para a semana: lançamento de revista, Tropa de elite e debate com diretor, 30 anos (sem) Clarice, Leituras de Benjamim, Discutindo o fazer literário...
.....A semana será boa, mas agora sinto sua falta. O choque do estar só. Não há ninguém para se dividir a mesmice dos dias. Ninguém para ouvir reclamações. Os amigos e as amigas se enfiaram nas exigências das obrigações. Não há ninguém próximo o bastante para suprir a sua ausência. Pessoas aleatórias começam a receber mais atenção. Trocam-se palavras com desconhecidos enquanto se passeia com a cachorra, trocam-se olhares com aquele cara do café, antes do supermercado, agora da biblioteca.
.....Os dias parecem bons, apesar de incompletos. Guardarei mentalmente relatos daquilo que queria ter dividido contigo, mesmo que só sirva para embrulhar peixe quando você chegar. Terei os ouvidos atentos às suas palavras que retornam de viagem. Abrirei a gaveta das camisinhas provavelmente ainda intocadas. Só que antes disso você terá seu pé todo molhado com o xixi da Cacaua.

* segundo semestre 2007

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