22 setembro 2009

Flores fedidas

....A TV ligada para movimentar a casa fala as mesmas coisas. A novela a que nunca assiste ocupou meia-hora do seu estado, do seu estado...
....A preguiça de tomar banho fica e o chulé exala. Numa noite, como todas as outras todas esboçadas por um esboço de vida, está sentada, só de calcinha, em frente ao computador tentando olhar para dentro de si. Percebe a fome, somente a fome e o olhar triste.

....Caminha por um corredor de pinheiros, cabisbaixa. Está sozinha. Sempre sozinha, mesmo que às vezes pensa ter espantado aquela solidão inconveniente, aquela que se sente quando se quer fugir de si e não há ninguém ao lado que a faça sentir como se estivesse só. Tem, mas não tem. Quase tem. Podia ter.
....Arrasta alguns passos e senta espremida num banco vazio. Sente-se pequena enquanto os pinheiros serenos balançam seus inúmeros braços curtos. Não vê escolhas escolhidas; apenas excessivas opções convergentes que sufocam. Fecha os olhos e vê as pessoas que passam sem saber para onde vão. De repente, baratas. E o cheiro forte e marrom que vem com elas.
....Lembra que tem uma maçã na bolsa. Observa. De olhos miúdos que não conseguem tornar-se arregalados, vê que as pessoas agora trazem uma grande maçã no lugar da cabeça. Chora. Enxuga as lágrimas com um sorriso contido. Pensa que pode dar mordidas nas bochechas de quem quiser. Ele. A maçã dele é lustrosa e a atrai, mas tem gosto ruim. Engole com dificuldade, sabendo que é possível cuspir. Mas tem medo de passar fome.
....O som de um miado a faz respirar fundo e apertar os olhos. Enxerga um gatinho magro, branco com manchas pretas. Sente-o roçar suas pernas. Assusta-se com o ar e corre leve. Ela o segue, chamando o bichano, tentando lhe arrancar confiança. Pis, pis, pis, pis, pis.
....Um amigo que tem uma risada que espera vai passando de bicicleta. O bichano corre ligeiro. Se vai. Sim, se vai. Ele para. Olha para os peitos dela, agora maiores, e lhe cumprimenta com um beijo gostoso na bochecha. Ela tem vontade de lhe falar. Você é aquilo que eu deixei ir. Dá-lhe um beijo no canto da boca. Conhaque. Umbigo. Tchau. Por trinta segundos, o mundo ficou inamovível.
....O gato. Cadê o gato? Pis, pis, pis, pis, pis. Onde se meteu? Vem, gatinho, vem. Ah, aí está. Morreu. Deve ter sido atropelado. Não sabe o que fazer. Olha. De pé, mira o sangue, aperta a alça da bolsa e morde o lábio superior. Morreu o bichano. Simples assim.
....Vem-lhe a imagem de uma cabeça de boi sangrando por entre os chifres, a língua pendurada. O sangue vai tingindo de vermelho o pelo branco branco. O machado repousa sujo ali ao lado. As moscas vão se achegando. Procura pelo corpo do boi. Não consegue saber onde está. Talvez esteja amarrado pelas patas traseiras, suspendido.
....Deixa o boi e o gato ali e continua caminhando. Não vai; anda. Passa por um açougue. Para. Olha. Escuta. Ploft, ploft, ploft. Os pedaços de carne vão sendo empilhados. Uma gota de sangue cai sobre a ponta de seu nariz e ali fica.
....Confere se o pingo secou. Vento sul está forte. Sequinho. Cervejas. Compra três no boteco fuleiro repleto de bukowskis que não escrevem. Sozinho numa mesa, bebe um homem de terno e gravata. O que faz ali?

....Seus pés inchados a levam de volta para casa. Gira a chave, acende as luzes. O silêncio sussurra tensos assovios. Tira a roupa, abre uma cerveja e liga a TV.

* outubro 2007, acho.

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