31 maio 2009

dor e delícia

enquanto a fonte à frente
goteja seu barulho
de pingos fálicos

pelos corredores
que não existem
passeiam olhos
de sorrisos gastos

alguns esperam
e outros parecem saber
que nada mais virá.


* Itapira-SP, maio de 2008.

30 maio 2009

Acho que comi muita maçã

o copo caiu
o vidro quebrou
a maçã preteou

...o vinho derramou

e pintou tudo de roxo,
inclusive a fita cassete
e minha memória de papel.

os nus que nela estavam
agora espremem-se
entre as roupas no varal.

28 maio 2009

.....Um papel em branco me faz pensar em escrever. Tenho tanta coisa pra dizer; são tantas coisas pra dizer, que eu não consigo dizer nada. Queria contar o mundo e o que se passa na minha cabeça, mas o mundo é muito grande pra mim e o que se passa na minha cabeça corre demais e não me deixa acompanhar, me falta ar e sangue nas veias. Tenho vontade de gritar “ei, vocês, me esperem!”, mas o barulho do rastro que fica é tão grande...
.....E colorido. Isso é tudo o que sei sobre o que se passa na minha cabeça. É tudo muito rápido, correm para a direita de quem olha e deixam um rastro barulhento e colorido.
.....E eu fico aqui, atônita. Pelos seres que correm e pelo papel sujo de rabiscos e cheio de nadas.

16 maio 2009

A primeira vez que vi Tereza

para Carlota.

.....É difícil escrever uma crônica quando se está pensando na cerveja gelada e na mesa de bar, bem mais acolhedoras do que a sala fria e silenciosa do laboratório de informática da universidade. Claro que poderia escrevê-la (e talvez mais bem escrita) no bar, mas teria que ter um prazo maior do que o final da tarde e início da noite, já que não pretendo sair cedo do boteco para digitar o texto, imprimir e levar o papel, a tempo, até o escaninho da professora. Menos mal que a cerveja pode ficar para depois, mas talvez o amigo não esteja mais disponível. Enfim...
.....Há pouco, na lanchonete repleta de estudantes das ciências da saúde, enquanto comia uma torta integral de banana – e pensava na cerveja – vi uma menina que se destacava do resto das árvores natalinas que andavam pelo local. De início, como estava de costas, não sabia se era ela ou ele. Tinha cabelos retos, um pouco acima dos ombros, e vestia um suéter branco. Ao virar de perfil, pareceu mulher. Mas ainda podia ser homem. Só tive certeza de que era mulher quando pude ver a calça preta de malha que contornava suavemente a bunda bem delineada. Pude então experimentar novamente a sensação de se sentir (sim, experimentar novamente e sensação de sentir) atraída por uma mulher qualquer, que não uma amiga.
.....A primeira vez que isso aconteceu foi numa outra lanchonete da mesma universidade. De repente, eu a notei. Foi algo à primeira vista; desejo digo. Tinha cabelos pretos compridos e me olhava com os olhos verdes, meigos e agressivos. Fingi que continuava lendo o texto, cujas palavras já me fugiam, para poder fitá-la de tempo em tempo. Trocamos olhares gostosos, e só. Precisava encontrar meu companheiro – para não dizer namorado e cair no senso comum da monogamia.
.....Esse experimentar novamente e essa sensação de se sentir atraída por uma mulher deixa a gente mais leve – ou mais pesada. Uma sensação de liberdade que só se conhece vivendo. Acho que quem pode dizer para si mesma que os dois sexos lhe atraem, quem vive isso, flutua por dentro – ou usa botas de chumbo.
.....Sei lá. É gostoso ter vontade de dormir com a amiga que agora está na Inglaterra.

* escrita em outubro de 2008, para a disciplina Redação VII.

05 maio 2009

Junho de 2008

Eu hoje chorei. Não, hoje não. Foi ontem. Fui disposta a não chorar, me sentindo muito bem com Toda a Mafalda nos braços... Depois de algum tempo de conversa, chorei. Hoje é quarta, ontem foi terça. Quarta na hora do almoço eu te vi não querendo muito ver... Depois de algum tempo de conversa, quis te carregar no bolso. Terça de noite eu não te vi e não queria. Quarta de noite, escutando Vinicius, quero te ver. Tenho em mim dois chopes de vinho que bebi durante a prova de espanhol. Não te queria lá, queria era o professor. Agora, quarta de noite, sozinha em casa, te quero. Quero chopes de vinho com você. Pelo telefone, não consegui sentir o cheiro da sua barba; por e-mail também não. Tentei gritar um abraço e fiquei rouca. Dancei com a cachorra, derrubei água nela sem querer; ela não entendeu, eu dei risada. Alguma coisa me invade a alma; chega devagarzinho e sem pedir licença me faz rir por dentro. Ao invés de amaldiçoar o poodle feioso que late ardido, tenho vontade de rir. E rio um pequeno rio espontâneo. Leve, eu vagueio. Perdida, não me sinto perdida. Reconheço a queda, mas não desanimo; levanto, sacudo a poeira e dou a volta por cima. De repente, as coisas parecem bonitas. Ao esquecer que isso pode acabar, me lembro. Esqueço de novo. Que me importa? Até os sonhos ficaram gostosos. Desço solta por eles, com uma câmera fotográfica na mão. Volto a escrever em prosa, fico poética, proseante. Tento descobrir o que me faz escrever. Não sei. Escrevo quando bem ou quando mal? Depressiva, expansiva? Quando leitora, quando observadora? Quando caminho. Caminho bem e caminho mal. Quando? De onde vem? Bebida. Mesa de bar. Conversas, autismo. Sinestesia. Dia desses, o sol não me deixava ouvir. Agora, meus pensamentos não me deixam pensar. Toda a Mafalda, atrás de mim, me olha convidativa e o poeta me ajuda a fechar o texto sem final. Também não quero nem saber de quem não vai porque tem medo de sofrer.