27 setembro 2009

vontade de dizer um poema:

"perto do fim
você disse que não se importava mais
não mais
você disse:
não me importo mais - com todas as palavras
e eu não respondi nada"

renan dissenha fagundes, no fluido fotográfico (7Letras, 2007) e no bebop tango (http://beboptango.blogspot.com)

26 setembro 2009

Tédio via @twitter

c.: tédio. dormi e acordei de tédio.

c.: tédio. dormi e acordei de tédio.

c.: tédio.

c.: chega de tédio.

c.: quero minhas caixas de som.

c.: tédio.

c.: tédio. tédio. tédio.

22 setembro 2009

Flores fedidas

....A TV ligada para movimentar a casa fala as mesmas coisas. A novela a que nunca assiste ocupou meia-hora do seu estado, do seu estado...
....A preguiça de tomar banho fica e o chulé exala. Numa noite, como todas as outras todas esboçadas por um esboço de vida, está sentada, só de calcinha, em frente ao computador tentando olhar para dentro de si. Percebe a fome, somente a fome e o olhar triste.

....Caminha por um corredor de pinheiros, cabisbaixa. Está sozinha. Sempre sozinha, mesmo que às vezes pensa ter espantado aquela solidão inconveniente, aquela que se sente quando se quer fugir de si e não há ninguém ao lado que a faça sentir como se estivesse só. Tem, mas não tem. Quase tem. Podia ter.
....Arrasta alguns passos e senta espremida num banco vazio. Sente-se pequena enquanto os pinheiros serenos balançam seus inúmeros braços curtos. Não vê escolhas escolhidas; apenas excessivas opções convergentes que sufocam. Fecha os olhos e vê as pessoas que passam sem saber para onde vão. De repente, baratas. E o cheiro forte e marrom que vem com elas.
....Lembra que tem uma maçã na bolsa. Observa. De olhos miúdos que não conseguem tornar-se arregalados, vê que as pessoas agora trazem uma grande maçã no lugar da cabeça. Chora. Enxuga as lágrimas com um sorriso contido. Pensa que pode dar mordidas nas bochechas de quem quiser. Ele. A maçã dele é lustrosa e a atrai, mas tem gosto ruim. Engole com dificuldade, sabendo que é possível cuspir. Mas tem medo de passar fome.
....O som de um miado a faz respirar fundo e apertar os olhos. Enxerga um gatinho magro, branco com manchas pretas. Sente-o roçar suas pernas. Assusta-se com o ar e corre leve. Ela o segue, chamando o bichano, tentando lhe arrancar confiança. Pis, pis, pis, pis, pis.
....Um amigo que tem uma risada que espera vai passando de bicicleta. O bichano corre ligeiro. Se vai. Sim, se vai. Ele para. Olha para os peitos dela, agora maiores, e lhe cumprimenta com um beijo gostoso na bochecha. Ela tem vontade de lhe falar. Você é aquilo que eu deixei ir. Dá-lhe um beijo no canto da boca. Conhaque. Umbigo. Tchau. Por trinta segundos, o mundo ficou inamovível.
....O gato. Cadê o gato? Pis, pis, pis, pis, pis. Onde se meteu? Vem, gatinho, vem. Ah, aí está. Morreu. Deve ter sido atropelado. Não sabe o que fazer. Olha. De pé, mira o sangue, aperta a alça da bolsa e morde o lábio superior. Morreu o bichano. Simples assim.
....Vem-lhe a imagem de uma cabeça de boi sangrando por entre os chifres, a língua pendurada. O sangue vai tingindo de vermelho o pelo branco branco. O machado repousa sujo ali ao lado. As moscas vão se achegando. Procura pelo corpo do boi. Não consegue saber onde está. Talvez esteja amarrado pelas patas traseiras, suspendido.
....Deixa o boi e o gato ali e continua caminhando. Não vai; anda. Passa por um açougue. Para. Olha. Escuta. Ploft, ploft, ploft. Os pedaços de carne vão sendo empilhados. Uma gota de sangue cai sobre a ponta de seu nariz e ali fica.
....Confere se o pingo secou. Vento sul está forte. Sequinho. Cervejas. Compra três no boteco fuleiro repleto de bukowskis que não escrevem. Sozinho numa mesa, bebe um homem de terno e gravata. O que faz ali?

....Seus pés inchados a levam de volta para casa. Gira a chave, acende as luzes. O silêncio sussurra tensos assovios. Tira a roupa, abre uma cerveja e liga a TV.

* outubro 2007, acho.

06 setembro 2009

Das broncas da vida

....Procuro na internet algo que mude a minha vida. Procuro ansiosamente sem procurar com afinco. Checo alucinadamente minhas caixas de e-mails e todos os outros pedaços virtuais de mim. É como se a cada momento pudesse aparecer algo que me tire dessa vida, que a revire por completo. Como se de repente fosse chegar por aí algum motivo que me faça querer viver. Ou talvez apenas algumas palavras que me distraiam da dor do dia-a-dia, que me façam esquecer da constante gritaria silenciosa que não me deixa ler. Que sosseguem a correria de pensamentos. Que me façam ter a sensação de pular de um trampolim, de maiô e touca. De cair na água e tocar o chão azul da piscina olímpica do clube em que cresci, aquele onde tinham os tangarás que eu nunca vi.

....Era lá no Clube dos Tangarás que minha avó que não conheci nadava suas piscinas matinais. Foi lá que ela venceu as competições que não sei. No clube do meu avô, o Dr. Newton, que morreu quando eu tinha 14. Foi lá que estreei o tobogã da piscina infantil, quando o Camilo, que se matou com 18, ainda era vivo.
....O meu tio Camilo, que era só cinco anos mais velho do que eu, que fazia aniversário no mesmo dia do meu, um dia me deu um beijo. No rosto. Como minha mãe tinha medo de ladrão, toda noite, dos seis aos dez, eu juntava minhas apostilas e meu uniforme do colégio e andava emburrada os cinco quarteirões que separava minha casa da do meu avô. Não gostava de ter que ir posar lá. Eu não tinha medo de ladrão! Às vezes jantávamos por lá aquela comida que a tia Heloísa, segunda mulher do meu avô e mãe do Camilo, preparava sem tempero por causa da diabete do doutor. Foi numa dessas noites, quando minha mãe me botava para dormir, que o Camilo me beijou. Eu fingia que dormia enquanto eles conversavam baixinho no quarto. O Camilo, então com uns 14 anos, pedia para minha mãe que o deixasse me dar um beijo de boa noite. Ela dizia que não pois eu ia acordar. Depois de um tempo, quando ela já havia descido as escadas encarpetadas do sobrado e assistia TV com o pai, eu desci chorando e o Camilo, que simplesmente queria me dar boa noite, levou uma bronca.

....Acho que muitas vezes eu me dou bronca por simplesmente querer dar boa noite.

* maio 2009