11 julho 2010

Saltitando em três pulinhos

para A.

.....E então precisava de palavras escritas. As letras deveriam calar a balbúrdia dos números pontiagudos que lhe espetavam as veias frágeis, cheinhas de lágrimas. Escondida como uma criança que faz arte em meio à multidão, pegou de um papel e lhe contou um segredo em duas palavras. Dobrou em quatro e guardou no bolso do shortinho, cuidando para que ninguém o visse. Não acreditava muito em deus & cia, nem sabia se competia a São Longuinho, o Samunguinho de sua infância, mas como uma menina ainda pura, acreditou que ele daria um jeito. Se era o santo das coisas perdidas "samunguinho samunguinho se eu achar quem eu quero eu dou três pulinhos", ele encontraria o bilhete. E pronto. Continuou com seus afazeres de gente grande, somando, anotando, calculando, remoendo a certeza, que doía que nem joelho machucado, de que voltaria para casa solitária, arrastando chinelos imaginários, cortando o silêncio da madrugada com um ruído que ninguém ouviria.
.....Meia hora depois, media os passos nos ladrilhos vermelhos do terminal de ônibus, indo e voltando, de um lado a outro, indo e voltando, longe dali, ali mesmo. Olhava fixamente para o chão mas não estava cabisbaixa, estava autista. Era um autismo momentâneo, que só chega quando seu corpo respira tranquilo, até quase ressonar - por alguns minutos, sustenta-se a leveza do ser.
.....Voltou a si com o clack do disparador. Seu sorriso focava o all-star verde que estalava os dedos no alto do quadro. Eram os pés dele que voltavam do banheiro.
.....Meia hora antes, no banheiro do lugar onde fazia contas, ela rasgara o papelzinho, que agora não mais lhe servia. No fim do expediente, quando pegava a bolsa e a tristeza, que doía que nem joelho machucado, e calçava os chinelos por cima das sapatilhas de boneca, ele chegou.
.....- Eu sou seu colo.
.....E então, como criança, dormiu embalada pelo vai e vem do peito que São Longuinho lhe trouxera.

.....No dia seguinte, depois do almoço, ainda no restaurante lotado, rabiscou algumas cinco páginas do seu bloco de notas. E então, quando terminou, ao som de olhares curiosos, saiu saltitando em três pulinhos.


Um comentário:

  1. devo devolver o elogio. devo.
    gosto muito do que escreve, mesmo que/por motivos óbvios/ alguns textos me incomodem. Gosto do teu idioma'.. da vida relatada e da invisibilidade' que não representa inexistência. O verbo se faz nas entrelinhas.. oVerso.

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