06 setembro 2009

Das broncas da vida

....Procuro na internet algo que mude a minha vida. Procuro ansiosamente sem procurar com afinco. Checo alucinadamente minhas caixas de e-mails e todos os outros pedaços virtuais de mim. É como se a cada momento pudesse aparecer algo que me tire dessa vida, que a revire por completo. Como se de repente fosse chegar por aí algum motivo que me faça querer viver. Ou talvez apenas algumas palavras que me distraiam da dor do dia-a-dia, que me façam esquecer da constante gritaria silenciosa que não me deixa ler. Que sosseguem a correria de pensamentos. Que me façam ter a sensação de pular de um trampolim, de maiô e touca. De cair na água e tocar o chão azul da piscina olímpica do clube em que cresci, aquele onde tinham os tangarás que eu nunca vi.

....Era lá no Clube dos Tangarás que minha avó que não conheci nadava suas piscinas matinais. Foi lá que ela venceu as competições que não sei. No clube do meu avô, o Dr. Newton, que morreu quando eu tinha 14. Foi lá que estreei o tobogã da piscina infantil, quando o Camilo, que se matou com 18, ainda era vivo.
....O meu tio Camilo, que era só cinco anos mais velho do que eu, que fazia aniversário no mesmo dia do meu, um dia me deu um beijo. No rosto. Como minha mãe tinha medo de ladrão, toda noite, dos seis aos dez, eu juntava minhas apostilas e meu uniforme do colégio e andava emburrada os cinco quarteirões que separava minha casa da do meu avô. Não gostava de ter que ir posar lá. Eu não tinha medo de ladrão! Às vezes jantávamos por lá aquela comida que a tia Heloísa, segunda mulher do meu avô e mãe do Camilo, preparava sem tempero por causa da diabete do doutor. Foi numa dessas noites, quando minha mãe me botava para dormir, que o Camilo me beijou. Eu fingia que dormia enquanto eles conversavam baixinho no quarto. O Camilo, então com uns 14 anos, pedia para minha mãe que o deixasse me dar um beijo de boa noite. Ela dizia que não pois eu ia acordar. Depois de um tempo, quando ela já havia descido as escadas encarpetadas do sobrado e assistia TV com o pai, eu desci chorando e o Camilo, que simplesmente queria me dar boa noite, levou uma bronca.

....Acho que muitas vezes eu me dou bronca por simplesmente querer dar boa noite.

* maio 2009

4 comentários:

  1. Bonito. Gosto das tuas crônicas bonitas. Essa e a da saudade eu reli algumas vezes. A gente sempre gosta de rever coisas bonitas, mesmo que elas doam as vezes...

    =*

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Haha, sim.

    Disse algo do tipo:

    Não me conheces, mas conheces dos dois disse-disseram acima, que me conhecem.

    Achei o teu texto cheio de memórias de eventos, estórias e sonhos. Chamou minha atenção o fato de existirem camadas, explicitadas pela narradora, da percepção e da memória. A existência é narrada por uma linha falha de impressões e ilusões, e a verdade da história é a nossa crença.

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